DNA gaúcho revela variantes ligadas a doenças graves e diversidade ancestral invisível

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Um levantamento genético inédito revelou a complexidade do DNA da população brasileira e derrubou o mito de que o Rio Grande do Sul tem origem puramente europeia. Publicado na revista Science, o estudo faz parte do projeto DNA do Brasil, coordenado por pesquisadores da UFRGS, USP e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Trata-se do maior mapeamento genético populacional já feito no país, com 2.723 genomas analisados — mais de 800 de pessoas residentes no RS.
O estudo identificou mais de 8 milhões de variantes genéticas inéditas, sendo 36 mil ligadas a riscos de saúde, como doenças cardiovasculares, obesidade e infertilidade. Além disso, traços genéticos de povos indígenas extintos, como os Charrua, e variantes de origem africana foram detectados, inclusive em regiões com baixa autodeclaração de negros.
Segundo a pesquisadora Fernanda Vianna, coordenadora do projeto no RS, os dados mudam a forma como se compreende a formação genética dos gaúchos. "A presença africana e indígena é relevante, mesmo quando não aparece visualmente. Isso tem impacto direto na saúde pública", destaca.
Diversidade genética e impacto na saúde
No Estado, as coletas se dividiram em dois grupos: pacientes com covid-19 e pessoas negras com ou sem doença renal crônica. A comparação entre os genomas mostrou variantes associadas a maior risco de insuficiência renal e a respostas mais graves à infecção por covid-19.
O estudo também aponta que o RS, embora tenha apenas 21% da população negra, apresenta marcadores genéticos relevantes dessa ancestralidade, o que reforça a necessidade de ações específicas de saúde pública para esse grupo.
A pesquisadora Célia de Souza chama a atenção para o fato de que a população negra gaúcha nunca havia sido incluída com peso em um estudo genômico nacional. "É também uma ação afirmativa, que inclui quem historicamente foi excluído da ciência", afirma.
Avanços para a medicina de precisão
Com base nos resultados, o grupo desenvolveu ações de aconselhamento genético voltadas a doenças renais, cardiovasculares, câncer hereditário e infecções graves. A proposta é usar a frequência de mutações por ancestralidade para direcionar exames preventivos e, futuramente, desenvolver medicamentos mais eficazes.
Segundo a geneticista Maria Cátira Bortolini, a maior parte dos testes genéticos realizados no Brasil ainda usa bancos de dados estrangeiros, compostos majoritariamente por pessoas brancas europeias ou norte-americanas. "Isso gera diagnósticos imprecisos e omite riscos reais da nossa população", explica.
Antes do DNA do Brasil, não havia uma base genômica ampla com dados de pessoas negras, indígenas e mestiças. Agora, com o novo banco de dados, é possível personalizar diagnósticos, identificar variantes de risco por região e ampliar o acesso à medicina de precisão.
Genética como política pública
Entre os pontos destacados pela equipe está a possibilidade de usar os dados para explicar a alta incidência de câncer de mama em mulheres jovens no RS, um dos estados com maior número de casos precoces da doença.
Além disso, um gene mitocondrial de origem nativo-americana foi associado a desfechos graves da covid-19, reforçando que vulnerabilidades genéticas específicas precisam ser consideradas no planejamento de políticas públicas.
"Sem dados, não há política pública eficaz. E sem reconhecimento da ancestralidade, os dados são incompletos", resume Bortolini.
Os pesquisadores reforçam que a genética é uma ferramenta de equidade, e que reconhecer a diversidade biológica da população é essencial para combater desigualdades históricas e salvar vidas.
Fonte: Terra











































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































