Tradição e permanência no campo marcam o dia a dia quilombola

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Uma das 140 comunidades quilombolas certificadas e reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares no Rio Grande do Sul está localizada em Arroio do Tigre. A Comunidade Quilombola Linha Fão agora aguarda o título das suas terras junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). São 35 famílias, que logo poderão usufruir de uma área de 168 hectares, com mais e melhores condições de plantar e produzir.
Marlise Borges é presidente da Associação da Comunidade Quilombola da Linha Fão e avalia que hoje a realidade já melhorou na comunidade. "Antes a gente era nada, não era vista, era vista para trabalho braçal. Fora isso, a gente tinha os olhares desviados. Quando a gente registrou a comunidade começou a aparecer projetos, a prefeitura e a Emater começaram a ajudar e a gente começou a deslanchar. Então, nós estamos mil e uma vezes melhor que antes", orgulha-se.
A Emater/RS-Ascar acompanha a comunidade há mais de 20 anos. De acordo com a extensionista Daniele Centa, entre as políticas públicas que chegaram até a comunidade destacam-se o RS Rural, Feaper, programa de distribuição de sementes, programa Fomento às Atividades Produtivas Rurais, políticas de saneamento, além das voltadas à documentação pessoal e inclusão em programas sociais. "Aqui é muito forte o cultivo para o autoconsumo, a preservação de sementes, e a utilização e a preservação de plantas medicinais, aromáticas e condimentares. Então, essa cultura é muito rica e ela precisa, sim, ser resgatada e preservada", conclui Daniele.
PLANTAS MEDICINAIS
Na região de Santa Maria, no município de Restinga Seca, a tradição das plantas medicinais também é preservada no Quilombo Vó Firmina e Vó Maria Eulina. A agricultora Onilda Carvalho hoje é referência desse saber, tanto do cultivo quanto do uso de ervas com finalidades terapêuticas. No quintal de casa, planta losna, sete capotes, mil em ramas, cidrozinho, guaco, entre outras ervas que aprendeu a usar com "os antigos". "Minha mãe gostava muito de ervas, ela benzia e fazia os chás caseiros, era muito bom. Isso faz parte. A gente sempre tem a experiência de antigamente, que a mãe nos ensinou e a gente preserva", relata.
O Quilombo de Restinga Seca também investe em outra tradição importante: é guardião de sementes crioulas. A cada colheita, Maria dos Santos Carvalho preocupa-se com o processo de resgate, multiplicação e armazenamento de sementes de amendoim, alho e cebola, entre outras. Conforme aprendeu com seus antepassados, guarda as sementes para o próximo ano, seja para a sua própria produção ou para compartilhar. "É só guardar direitinho, nos vidros, nas garrafas PET, daí não tem como estragar. O feijão, principalmente, se a gente colocar na PET não caruncha, só tem que estar sequinho. A gente seca no sol direitinho. Não muito, pois se ficar muito seco, o feijão não cozinha", explica Maria.
Na comunidade Vó Firmina e Vó Maria Eulina há membros que são residentes na área do quilombo e outros que possuem vínculo, mas estão fora. Ivonete Carvalho é um exemplo. Foi para Santa Maria fazer carreira profissional como comissária de polícia e agora está voltando para plantar junto ao seu tio e para restaurar a casa que foi de sua avó. Dessa forma, investe na preservação da memória de uma das matriarcas do quilombo, que foi benzedeira e parteira. "Mesmo tendo saído daqui, não vou perder esse vínculo com o meu território, com a minha identidade", garante.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Por meio de políticas públicas, como o Fomento às Atividades Produtivas Rurais, as famílias buscam alternativas econômicas que ajudam a permanecer no território em que vivem e no meio rural. Somente em Formigueiro, entre 2023 e 2024, foram 198 famílias quilombolas beneficiadas pelo fomento, através da assessoria técnica da Emater/RS-Ascar.
Na comunidade Timbaúva, por exemplo, a família de Terezinha Soares Gass vem trabalhando há mais de 15 anos na produção de frutícolas e olerícolas. Obtendo crédito rural assistido, a família construiu uma agroindústria de frutas embaladas, geleias e compotas.
Terezinha e seu marido, desde 2009, produzem para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). "Foi tudo projetado junto com Emater/RS-Ascar, fornecendo sempre bastante informação e ajuda, e a gente foi indo", conta. Hoje, além da agroindústria, ampliaram a horta e construíram estufas para a produção de morangos.
ASSISTÊNCIA ORIENTADA ÀS ESPECIFICIDADES DO PÚBLICO
Só em 2024 a Emater/RS-Ascar atendeu a mais de 3.500 agricultores e agricultoras em 139 comunidades remanescentes de quilombos, distribuídas em 69 municípios gaúchos. Para prestar esses serviços de Extensão Rural e Social, os extensionistas preparam-se de forma especializada. No ano passado, foi realizado um curso de qualificação para 130 técnicos, com foco em ações estratégicas, respeito e valorização da cultura quilombola.
"Os extensionistas são orientados para respeitar e valorizar a diversidade cultural quilombola. Não é como trabalhar com agricultor convencional. Essa população reúne traços próprios na sua forma de viver e produzir, uma riqueza de expressão culturais que muitas vezes, por não ser entendida, não recebe a atenção dos órgãos públicos, e por vezes até são discriminados. Ante ao exposto, existe a necessidade de complementar as ações convencionais de ATERS com ações de reconhecimento, respeito e valorização da cultura", afirma Regina Miranda, coordenadora estadual de Ações com Povos Tradicionais Quilombolas da Emater/RS-Ascar.
Parte desse trabalho resultou na segunda edição do Catálogo do Artesanato Quilombola do Rio Grande do Sul, lançado em novembro passado. O catálogo é uma vitrine para os bens culturais produzidos em quilombos, entre utilitários e outros voltados à geração de renda. Há peças em cerâmica, madeira, couro e fibras vegetais, muito presentes na cultura quilombola gaúcha. A edição está disponível nos sites da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural (SDR) e da Emater/RS-Ascar.
Fonte: Assessoria de Imprensa da Emater/RS-Ascar